Arte no feminino - Universidade de Lisboa
A exposição Arte no Feminino no edifício da Reitoria da Universidade de Lisboa inaugurou dia 8 de Março, dia Internacional da Mulher, e conta com obras de 10 artistas que estão de alguma forma ligadas à Universidade. A exposição celebra ainda os 10 anos desde a fusão da Universidade de Lisboa com a Universidade Técnica.
A mostra é pequena e algo perdida na imponente imensidão do espaço, mas contém peças interessantes que representam algumas das mais relevantes artistas portuguesas actuais.
Com um conjunto de obras de pintura, escultura, instalação, ilustração e vídeo, a diversidade realça também o que têm em comum. Além da ligação à UL percebemos uma linha geral, uma perspectiva feminina sobre a arte e o mundo que se assume à medida que avançamos na exposição.
As questões da identidade, da identidade no feminino e do corpo feminino surgem nos trabalhos de Mariana Castro, Ana Margarida Matos, Vanessa Barragão, Isabel Sabino, Ana Bonifácio e, claro, Paula Rego. Virgínia Fróis, por outro lado, fala-nos sobre a natureza e a sua associação com o feminino, enquanto a Rádio Fanon de Ângela Ferreira remete para a comunidade e o activismo político. As obras de Ana Lima-Netto e Marta Soares focam-se na materialidade (como também Vanessa Barragão e Ana Margarida Matos), no processo artístico e na dimensão temporal e a sua relação com o espaço.
O conjunto completo é uma narrativa sobre o que significa a identidade feminina e como esta se relaciona com o espaço, a natureza, o tempo e a comunidade onde se insere, numa perspectiva única. A obra fotográfica de Mariana Castro Ne Touche Pas, por exemplo, remete-nos para a questão do corpo, neste caso do corpo feminino e a sua intimidade, tantas vezes confundido com objecto. Aqui o corpo é forte e frágil, aberto e fechado, templo e casa em simultâneo. Protege-se, mas na sua delicadeza existe força, uma força que vem de dentro e emana para fora. É livre e independente, não é para o toque mas chama a ligação. Ana Margarida Matos, por seu lado, fala-nos da dimensão da mente, da multiplicidade do pensamento e da forma como esta informa a identidade. O seu traço desconstrói os elementos de banda desenhada, como desconstrói a noção de identidade, para a reconstruir em algo novo.
A obra A menina (não fica) em casa de Isabel Sabino guia-nos pela visão da mulher enquanto membro da sociedade, uma desconstrução do dogma da mulher dona de casa e restringida ao meio doméstico. Nas pequenas telas encontramos imagens de mulheres a trabalhar no campo, em fábrica, em hospitais, numa sequência reminiscente da obra As Mulheres do meu País de Maria Lamas. Além destas imagens de mulheres em trabalho, a artista conjugou retratos de mulheres pioneiras que servem como homenagem e reconhecimento destas que não tiveram medo de lutar por mais. Se estas nos lembram do quão longe chegámos, em contraste, as imagens de mulheres vítimas de violência envoltas em sacos de tule vermelho relembram-nos do longo caminho que ainda temos pela frente. Mas o papel da mulher na sociedade, enquanto trabalhadora e activista continua na obra Rádio Fanon de Ângela Ferreira. Esta é uma homenagem às emissões da Rádio Voz Liberdade, a partir da Algéria via Radio-diffusion Television Algerienne (RTA) e o seu papel fundamental na divulgação de ideais da revolução, numa luta para uma sociedade mais aberta e mais igual, onde a mulher possa ter um lugar cimeiro. Também a obra de Paula Rego, Getting Ready for the Ball, nos apresenta uma visão da mulher em sociedade, sendo aqui uma comunidade de apenas mulheres, mas onde as relações hierárquicas entre criada/senhora, filha/mãe estão bem presentes.
A obra Anel/Poço de Virgínia Fróis atrai pela sua estranheza, um pedaço da natureza num espaço tão austero. A presença da natureza é característica do trabalho da artista, que está representada com mais duas obras, Abrigo e Pião, ambas feitas com materiais orgânicos. A feminilidade é muitas vezes associada à natureza, ao orgânico, pela capacidade de gerar vida, mas aqui a mensagem é de uma maior aproximação à natureza e a um estado mais elementar - de mostrar o que é possível fazer quando a natureza se torna essencial.
O material e a relação com o processo artístico e o tempo são evidenciados nas obras de Marta Soares, da série Pinturas Arrancadas à Noite, que remete para um espaço temporal específico e um processo complexo mas recompensante, sólido, presente, enquanto a obra de Ana Lima-Netto é etérea, falando sobre a passagem do tempo e dimensão temporal multiplicada e em movimento.
A obra de Vanessa Barragão recupera a noção de materialidade com a utilização de tradições normalmente associadas ao feminino e transforma-as numa expressão de feminilidade e materialidade - a essência do feminino e do material. A sua utilização de materiais reciclados fala-nos também de reinvenção e transformação, algo que está presente na obra de Ana Bonifácio, com o seu recurso a materiais como fotografias, mapas pluviais e grafismos desconstruídos, que, de um conjunto de materiais dispersos, cria um todo.
Apesar do tamanho reduzido do espaço e da mostra, a exposição consegue reunir obras relevantes de um conjunto interessante de artistas das mais variadas expressões e suportes que exploram de forma notável temas como a representação da identidade e do corpo femininos, do feminino na sociedade e do feminino enquanto expressão artística. No contexto da sua inauguração (8 de Março) e do ano que se insere (na celebração dos 50 anos do 25 de Abril), esta é uma exposição que nos relembra o valor da mulher na construção da sociedade, na sua perspectiva única perante a arte e o mundo e a luta para que estes seja cada vez mais um lugar de igualdade e de liberdade de expressão.