O tom do pomar - Invasor Abstracto #7 no Atelier Museu Júlio Pomar
Em linha com o que tem acontecido desde a sua incepção, a exposição o tom do pomar Invasor Abstracto #7, estabelece um cruzamento e um diálogo entre a obra de Júlio Pomar e outro artista contemporâneo, neste caso o OSSO colectivo, abrindo novas interpretações e visões da obra do artista em relação com a arte contemporânea.
A organização OSSO colectivo caracteriza-se como uma “estrutura colectiva” que reúne artistas de diversas áreas (“música e artes sonoras, artes plásticas, fotografia, dança, performance, design, arquitectura e cinema”) com o propósito de desenvolver projectos artísticos onde, com pensamento crítico, estético e político, as especificidades dos contextos e territórios onde se inserem são exploradas, em colaborações com outros artistas, colectivos e instituições (osso.pt). Neste programa está inserido o projecto Invasor Abstracto, que desde 2020 tem trazido a actividade artística do colectivo a explorar intersecções entre o seu território de origem (a aldeia de São Gregório nas Caldas da Rainha) e os diversos espaços que o acolhe.
Esta edição, no Atelier Museu Júlio Pomar parte de um conjunto de recolhas sonoras de Pomar a trabalhar no seu atelier, realizadas por Ricardo Jacinto em 2012/13 para a banda sonora do filme Só o teatro é real. É também a partir do contexto único da celebração dos 50 anos do 25 de Abril que a exposição se desenvolve, focando nas diversas possibilidades permitidas pelo trabalho colaborativo e colectivo que a revolução permitiu.
Assim que entramos na sala de exposições, ouvimos os sons de Pomar a trabalhar. O peso do seu corpo em movimento sobre o soalho, o pincel a percorrer a tela, as raspagens com as mãos. Tudo nos leva para uma sensação de trabalho, de movimento e de corpo. Esta agitação é continuada na escolha dos desenhos que encontramos na primeira parede, com desenhos das séries Catch, Maria da Fonte e Metros entre outros, bem como na parede à esquerda, com desenhos para a obra Corpo Verde de Maria Velho da Costa. Repletos de movimento, seja em conflito, no prazer, em agitação política ou em trabalho, este conjunto remete-nos para a actividade em conjunto, em colaboração com o outro. A valorização do trabalho, rural ou artístico e do encontro entre indivíduos, interseccional a ambos os territórios, será algo que encontraremos em diversos momentos desta exposição.
O vídeo da eira de São Gregório, espaço de trabalho mas também de encontro, continua esta ligação com movimento de pessoas, o próprio vídeo exercendo um movimento de rotação sobre si. E é esta imagem nocturna de um espaço de trabalho que nos leva a outro espaço de trabalho, uma caixa negra intitulada Noite, onde apenas ouvimos os sons de Pomar a trabalhar. É um espaço desenhado para nos obrigar a focar no som. O som é tudo o que existe, que nos envolve e faz surgir perante os nossos olhos o movimento do artista em trabalho.
O som é sem dúvida um dos principais elementos da exposição e também do trabalho do OSSO. Espalhadas pela sala estão pequenas telefonias, que emitem sons da apanha da fruta na aldeia de São Gregório, transmitidos a partir de uma peça no andar superior, uma antena feita com bambu local, numa justaposição do rural com o tecnológico, uma transmissão de um outro espaço que transforma este, criando um terceiro espaço interseccionado. A peça Faixa de Gaza de Pomar, colocada junto à caixa negra de Noite, expande esta ideia, remetendo-nos para uma comunicação - os telemóveis que são usados na peça - para um espaço ainda mais longínquo. As restantes assemblages, feitas a partir da justaposição de materiais naturais e artificiais, estabelecem um diálogo com o trabalho do OSSO, nesta intersecção entre o natural, rural, orgânico e artificial, tecnológico e fabricado.
As caveiras de Pomar, também elas repletas de movimento, são uma continuação desta organicidade, da condição humana que nos une a todos. Nas escadas e de novo no andar de cima, as telas do Ciclo do Arroz, uma série que foca no trabalho e dia a dia rural - são uma ligação directa com o dia a dia rural de São Gregório.
Por todo espaço estão penduradas linhas de diversas cores, tingidas por Rita Thomaz a partir de pigmentos feitos da flora de São Gregório. O terceiro espaço emerge também aqui, uma invasão da flora da aldeia ao AMJP, numa recriação do rural dentro da cidade, um pomar/Pomar.
De novo encontramos ecos do momento de encontro entre pessoas nas obras das séries Rugby e Lota - o confronto e a união lado a lado. Estas ideias são espelhadas na instalação o Parlamento de Caríbdis. Este círculo, uma eira desconstruída fala-nos dos confrontos construtivos e destrutivos que surgem do encontro e do trabalho colectivo. É neste centro de encontro, neste espaço colectivo, que se constrói destruindo, uma destruição voraz e violenta que o nome de Caríbdis, criatura mitológica, evoca.
A importância do colectivo está presente desde cedo na obra de Pomar, e a intersecção que o OSSO colectivo faz nesta intervenção coloca-o em evidência num período de tempo irrepetível, onde os ecos do passado estão bem presentes. Em tempos de individualismo e de polarização crescente, a celebração da colaboração, do conjunto, de um retorno a uma natureza tornam-se cada vez mais relevantes. Assim, a obra de Pomar de 1950-60 continua actual e, mais que uma celebração de uma revolução que passou, é, pela mão do OSSO colectivo, uma incitação à sua renovação e um apelo a que se continue a valorizar a colectividade, a colaboração e o que estas nos permitem atingir