Zonas de transição
A exposição Zonas de Transição presente no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, apresenta ao público obras da coleção da Fundação PLMJ. Esta coleção conta já com mais de 20 anos de existência e trabalho, incluindo cerca de 1400 obras de pintura, escultura, desenho, instalação e vídeo de artistas maioritariamente nacionais e de países pertencentes à Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
A exposição apresenta-nos assim uma selecção de obras e artistas de diferentes suportes, gerações e geografias, unidos pela língua portuguesa, que nos convidam a entrar numa reflexão sobre a ideia de transição. A transição do tempo e da matéria, mas também da memória e da consciência humana, da identidade e das identidades de género, racial e política, e dos próprios espaços transitivos. Em diversos momentos da exposição sentimos esta instabilidade, do poder de nos situarmos a meio de uma ideia ou conceito.
Somos desde logo apresentados a esta ideia com a obra fotográfica de Carla Cruz, Acervos. Espaço de transição por excelência, no acervo guardam-se temporariamente memórias e identidades, reflexões e peças, num momento que determina um fim mas também um começo.
Ao longo da exposição esta ideia de intermédio, de processo acompanha-nos de diversas formas. Com a instalação de Alice Geirinhas, Assemblage (As Três Marias), a ideia de consciência política e social transparece na recontagem deste processo tão marcante. Por outro lado, na obra Sem Título (da série Amor Vaccui) de Ana Jotta é a transição espacial, de um espaço sem tempo, que nos intriga.
A transição temporal ou a sua estaticidade transparece nas fotografias de Tito Mouraz, onde o tempo é simultaneamente passado e presente, uma transição que é estática.
A questão da identidade, tanto de género como racial surge-nos nas obras de Rita GT, que referencia a obra I’ve got it all de Tracy Emin numa desconstrução satírica que põe em causa a agência e objetificação feminina, mas também nas obras My sketches (da série Drawing in abstract space) de René Tavares e Black Colour e Real Life de Nú Barreto, onde a definição da identidade racial num mundo global e pós-colonialista.
Também a ideia de transição de espaço (ou espaço de transição), não só de tempo, é explorada, em obras como Espaços pouco concretos de Maria José Cavaco, onde desenhos de espaços improváveis nos levam a lugares impossíveis ou liminares ou as cidades invisíveis (Moscovo) de Rosana Ricalde são elas próprias zonas de transição, de memória e desejo.
A dualidade e transição entre o “corpo orgânico” e “os imaginários poéticos” (Folha de Sala, Silvério, J., 2023) está sempre presente, convidando-nos a encontrar um conforto nesta posição incerta e desconfortável, que nos abre a visão para diversas possibilidades simultâneas, como uma antecâmara para uma nova realidade.