Plug-In, Joana Vasconcelos, MAAT

A exposição Plug-In de Joana Vasconcelos invade os dois edifícios do MAAT numa explosão de cor e de luz. O nome faz referência à natureza mecânica das peças, onde a luz e o som são elementos tão importantes quanto o ferro, plástico ou tecido que as compõe.

São poucas obras, inéditas ou pouco expostas, mas que ilustram bem a obra da artista, onde o humor é usado para criticar e desconstruir assuntos actuais mas também para convidar a um novo olhar, mais leve e até encantado do e pelo mundo.

A obra Árvore da Vida, exposta no edifício Central Tejo, é um exemplo de uma peça que nos convida a contemplar e deixar-nos encantar. Uma árvore repleta de luz num espaço industrial que é simultaneamente templo e prisão leva-nos a reflectir na imensidade da vida e das suas ramificações, tão extensa e forte como as raízes de uma árvore. A árvore parece saída de um conto de fadas, um lugar mágico onde as possibilidades, tal como na vida, são infinitas.

Ainda neste edifício encontra-se um conjunto de desenhos onde o gesto e a cor lutam, ou unem-se, pela supremacia do desenho. O conjunto de formas, mais ou menos abstratas, a sua repetição, leva-nos para o contexto do bordado popular, algo que Vasconcelos utiliza na sua obra com frequência e habilidade.

Na entrada do edifício Galeria MAAT, somos acolhidos por uma imensa estrutura de diversos tecidos e luz, um gigante polvo que espalha os seus tentáculos pela galeria principal. A peça Valkyrie Octopus, de 2015 e inicialmente no hotel MGM Macau, envolve o espaço criando uma sensação de outro mundo, como se fossemos transportados para um atol de coral onde uma criatura marinha paira sobre nós. Alguns dos tentáculos transformam-se em miradouros de azulejo - Chiado, Alfama e Madragoa - que convidam os visitantes a sentar e contemplar a obra. De novo a escala confere uma sensação de encantamento, levando-nos para um outro lugar dentro da imaginação.

O contraste entre a luminosidade do átrio central com a sombria sala é um prenúncio para as obras aqui presentes. Mantendo o mesmo sentido de humor e mesmo de alegria, estas são obras que criticam mais do que encantam.

É o caso de War Games, uma peça com uma versão original de 2011, onde a artista refere as desproporcionais consequências da guerra para as crianças. Um carro - Morris Oxford Series VI - está coberto de espingardas de brincar apontadas para o interior do carro, onde se vê um conjunto de animais de peluche. A utilização de brinquedos, símbolo de infância e inocência, contraposta com a imagem brutal da arma, leva-nos a uma reflexão desconfortável da presença e até participação das crianças nos “jogos de guerra” que outros decidem para elas. 

A peça Strangers in the Night, um estranho veículo - um táxi, segundo a sinalética no topo do assento - que emite em loop esta canção de Frank Sinatra. A música, que nos remete para o universo nocturno onde tudo é permitido, a anonimidade dos veículos que passeiam pela cidade e a cobertura em napa do assento que lembra uma cabine de peep show, todos os elementos nos transportam para a zona ambígua da noite, da prostiutição, do encontro anónimo e fugaz, desejado apenas por uma das partes. Esta stranger in the night é apenas isso, uma mulher estranha que serve por apenas umas horas, sem agência ou personalidade, apenas um objecto narratorial para o nosso protagonista masculino. 

Por outro lado, a peça Drag Race retira-nos do universo melancólico mas apenas um pouco. A opulência da decoração de talha dourada associada ao carro de luxo - um Porsche 911 Targa Carrera - juntamente com o título remete para o mundo exagerado, artificial e camp das drag queens. As plumas, símbolo tanto de drag como de riqueza, acrescentam um ar de “festa melancólica” (Pinharanda, 2023) à peça, que se apresenta como exuberante, fausto, imponente, seguro, mas com uma alegria que tem também algo de ridículo. 

Por fim, no exterior encontramos duas obras monumentais, que pela dimensão seria impossível ou pelo menos difícil acomodar dentro da galeria. Assim no exterior funcionam também como um prelúdio - ou posfácio - da exposição, convidando potenciais participantes a visitar a exposição ou apenas a interagir com estas duas peças. 

A primeira, I’ll be your mirror, uma máscara construída com espelhos de molduras elaboradas recupera o título de uma música dos The Velvet Underground. A peça fala-nos de identidade e das artimanhas utilizadas para ocultar aspectos desta aos outros. Uma máscara serve para esconder, uma máscara feita de espelhos é uma dupla ocultação: não só não conseguimos ver quem esconde como ainda nos devolve a nossa própria imagem. Somos nós o disfarce? A peça recusa assim a proposta da música que lhe dá nome, onde o espelho é usado como uma forma de ver a verdade. Nesta peça, o espelho oculta, dispersa e distrai, numa visão crítica da identidade e de como esta se molda e relaciona com os outros e de como somos, por vezes, vítimas da nossa própria vaidade na avaliação do outro.

A obra Solitário, um enorme anel de noivado feito a partir de jantes de automóvel e copos de whisky de cristal levanta questões sobre o luxo. Ambos os materiais representam símbolos de luxo e poder - os carros caros, o whisky raro - e juntos criam o derradeiro símbolo da riqueza e luxo - o diamante, ou o anel de diamante. O título, que se refere a este tipo de anel com uma só pedra, é também uma referência a uma consequência da acumulação de riqueza: a solidão. Assim levanta-se a questão: queremos luxo ou comunidade? O que é mais valioso, diamantes ou pertença? Como João Pinharanda refere na folha de sala (2023), a peça está no exterior da sala, à vista de qualquer pessoa que passe na rua. Talvez essa seja a resposta: a partilha da obra com o público geral é o que lhe dá mais valor. 

Embora contando com poucas obras, a exposição apresenta concisa e claramente a génese da obra de Joana Vasconcelos. Fazendo uso de algumas das suas mais icónicas obras para comunicar a irreverência, o humor, o olhar crítico aos temas actuais e a utilização de linguagens da arte popular e tradicional portuguesas, Plug-In é um digno resumo da extensa obra de Joana Vasconcelos até à data, apresentando uma acessível introdução aos temas e linguagens explorados pela artista.

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